Na quarta-feira, dia 6, fizemos um hangout com Paulo Rená, um dos gestores e coordenadores do Marco Civil. Ele foi um dos caras que mais lutou para que o projeto se tornasse realidade — e uma das pessoas mais apropriadas para responder perguntas sobre a lei. Ele é cyberativista desde 2008 e respondeu as questões enviadas por vocês no bate-papo.
Transcrevemos parte da conversa, colocando as principais perguntas e os pontos mais importantes das respostas de Rená. Lembrando que você pode ver como foi o hangout na íntegra no nosso YouTube.
Tem dúvidas sobre o Marco Civil e não conseguiu participar do bate-papo? Comente nesse post que nós encaminharemos para o Paulo Rená!
Qual era o objetivo com o Marco Civil?
A ideia era não fazer uma lei só para especialistas, era fazer um texto que pudesse refletir o que a galera que tem vontade. Queríamos reunir os direitos de todos — desde a vó que manda e-mail uma vez por mês, ao cara que produz conteúdo e ao cara que simplesmente acessa conteúdo.
O projeto está rolando desde quando?
O projeto foi enviado para a câmara em 2011 e começou a ser elaborado em 2009, mas no meio de 2007 o Ronaldo Lemos já havia feito um artigo pedindo uma lei que pudesse regulamentar algumas coisas. Não é uma novidade, não é uma coisa do dia pra noite — e era uma coisa aberta a todos.
E agora que a lei foi sancionada? Algo ainda pode ser mudado?
Ainda dá pra ler ser mudada. Primeiro, alguns artigos precisam de regulamentação e você pode questionar a qualidade da lei com relação a Constituição Federal. O juiz pode falar que é inconstitucional — portanto está aberta. A ideia do Marco Civil é ser um parâmetro geral para direitos na internet. São diversas abordagens que cada um faz de um jeito — com o Marco Civil é a base, a partir dele é que todas as outras coisas vão se basear — Estatuto da Criança e do Adolescente, do Consumidor.
Qual é o problema do artigo 15?
Eu sou um grande defensor do Marco Civil, mas eu já defendia a retirada do Artigo 16, que depois virou artigo 15. Tentamos vetar, por que é um artigo muito problemático. Basicamente o Artigo 15 fala que todas as empresas que prestam serviço online são obrigados a armazenar os registros de acessos aos seus serviços durante 6 meses. S
youPIX, YouTube, Google+, Twitter, Facebook, todos estão dentro. ONGS e empresas sem fins lucrativos estão fora. Essas empresas vão ser obrigadas a guardar os meta-dados. E o cruzamento de meta-dados pode levar a uma violação de privacidade, por que ela reduz o direito de dizer o que eu quero.
O Marco Civil ajudará a retirar o conteúdo ofensivo da internet?
O melhor direcionamento do Marco Civil é pra proteger a liberdade dos internautas. Com relação ao conteúdo ofensivo, primeiro temos que entender o que é ofensivo. Se eu disser que o “Flamengo ganhou do Palmeiras de 4 a 2…”, um palmeirense pode considerar ofensivo. O Marco Civil trata como regra geral de que precisa de uma ordem judicial para retirar o conteúdo ofensivo.
Essa regra só não se aplica para pornografia de vingança. Se houver uma cena de nudez ou sexo explícito, a vítima pode exigir da plataforma sem a necessidade de um advogado. Essa é a única exceção.
O que muda pra quem baixa torrent?
Infelizmente, o Marco Civil tem mais esse ponto de frustração. Tudo que for relacionado à direitos autorais, não se aplica ao Marco Civil — no artigo 31, continua a lei convencional de Direito Autoral. Há um grande debate sobre essa lei. Talvez seja a próxima grande batalha na internet, pois o ambiente geral do Marco Civil não se aplica a torrent. Pelo código penal, violar direitos autorais é crime. Portanto, é uma legislação que não condiz com o cenário atual na internet.
Como ficam as startups no caso de guardar logs em ambiente seguro? Serei obrigado a hospedar logs?
Vai depender do regulamento. O Marco Civil exige que essa guarda seja feita de forma sigilosa e ambiente seguro. Caso a startup não consiga guardar isso de forma sigilosa, eu recomento não guardar os dados. Nessa questão da startups, fica evidente que o Marco Civil ainda tem lacunas e temos uma dificuldade.
Muita gente diz que o Marco Civil é inútil, que muita coisa já está contemplada no Código de Defesa do Consumidor. Isso procede?
Não procede. Por exemplo essa questão da responsabilidade das plataformas, antes do Marco Civil, a responsabilidade de algum post ou de algum vídeo que estava no Facebook, o culpado do conteúdo seria a plataforma e não o usuário. Isso muda com o Marco Civil — portanto não é nada inútil. O Marco Civil está protegendo a internet. O seu e-mail funciona como um cartão postal, que você envia com um texto pra qualquer pessoa ver ou é uma carta fechada?
Com o Marco Civil, ele tem que ser tratado como uma carta fechada, onde apenas o emissor e o receptor veem a mensagem. Antes, até as próprias empresas assumiam que o e-mail era tratado como um cartão postal.
O fato dos parlamentares aparentemente não entenderem muito sobre o se tratava o Marco, diminuiu ou empobreceu o projeto?
O conhecimento dos parlamentares refletem a sociedade como um todo. São muitos brasileiros que não tem acesso a internet. É sempre bom lembrar do caso da Daniela Cicarelli, em que o juiz vetou o acesso ao YouTube — ele claramente não entendia muito como funciona a web. Os níveis de conhecimento da internet varia muito — e no Congresso isso não foi diferente. O que permitiu que a lei fosse criada foi esse debate informal. Começou em 2007 e continuou até 2014.
Muita gente está falando que vai censurar a internet, muitas brincadeiras como coisas do tipo “esse comentário foi retirado pois foi considerado ofensivo”?. Até que ponto essas coisa atrapalham?
Rolou muito mimimi, trollagem e muita desinformação. A gente percebeu que esses memes são baseadas em muitas inverdades. Coisas como “esse comentário foi retirado pois foi considerado ofensivo”, além de uma suposta graça que poderia ter, não tem nada a ver. O Marco Civil faz justamente o contrário, ele protege aquele comentário e ele só pode ser retirado com uma ordem judicial.
Sobre a questão de nacionalizar os servidores, podemos garantir que no futuro não vão rolar alterações ridículas como essa?
Não dá para garantir nada. A democracia está aí para ser alterada. Temos que ficar atentos, os olhos abertos. Não é fácil mudar uma lei. Essa questão da nacionalização dos servidores, o que conseguimos dizer era que não garantia a privacidade e seria mais fácil de encontrar os dados.
E mais, se rolasse um centro de dados, como você ia abastecer a energia, por que precisaria de água para resfriamento? De onde ia sair essa água? Precisa de muita infraestrutura. Portanto, temos que levantar argumentos para que as coisas que estão boas não piorem.
Pra fechar, no geral, depois dos 7 anos de luta para que a lei se tornasse realidade, o Marco Civil é bom ou ruim?
Considerando que em 2006 a proposta mais forte pra internet era exigir que para ter um e-mail você precisaria apresentar um RG e comprovante de residência, é evidentemente melhor. Ele garante a privacidade e uma inédita neutralidade de rede. Não tem como dizer que ele é ruim — e sim que ele tem pontos ruins, como o Artigo 15 e a questão de não abordar os direitos autorais. Mas no geral, é bom sim.
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